quarta-feira, dezembro 13, 2006

quinta-feira, novembro 09, 2006

Ars Gratia Artis





Ainda estou a corrigir os exames de Sociologia da Arte e revelo existirem grandes dificuldades em lidar com a teoria conhecida como arte pela arte. Depois de ter já explicado inúmeras vezes o que quer esta ideia significar, uso este diário aberto para expor, muito rapidamente, e por forma a chegar a todos, que a Arte pela Arte não é mais do que a Arte feita com o único objectivo de agradar (Hume) aos sentidos, ou de provocar prazer, ou deleite estético. No contexto da nossa disciplina, o estudante nem sequer necessita de ir mais longe do que isto, não precisa de saber em que contexto cultural surgiu esta teoria, ou como ela veio a lume e se desenvolveu, nem necessita de grandes conhecimentos da Estética para situar-se no território do entendimento da arte como uma produção inútil, descomprometida, isenta de diálogos, ou desinteressada. Isto é: a Arte pela Arte, na medida do seu afastamento relativamente aos propósitos (e precisamente aos propósitos) que uma sociologia da arte advoga.

O pintor que pinta exclusivamente pelo prazer de o fazer, pelo apego às formas, ou o escritor que não procura nada com a sua escrita, deleitando-se com o paladar das suas palavras, com a métrica dos seus poemas, são artistas que laboram neste âmbito, e ao serviço de propósitos puramente recreativos, ou esteticistas.

É evidente que uma Arte pela Arte, ou uma arte autónoma, no sentido da sua distância efectiva relativamente a quaisquer propósitos ou finalidades tais como a educação, a perfeição moral ou a utilidade (funcional ou social) foi largamente defendida e praticada por filósofos e artistas românticos, entendendo que qualquer funcionalidade, ou utilitarismo da arte a destruiria (cf. pensamento de Hegel, ou do poeta Pierre Jules Théophile Gautier, ou de Oscar Wilde que defendeu a imoralidade e a inutilidade da arte, entre tantos outros).

Todavia, a ideia de que a arte não é desprovida de objectivos, ou de funções, veio paulatinamente opor-se ao constructo defendido por Gautier (e outros). De facto, o realismo e, depois, o naturalismo, reconduziram o sentido da arte, centrada agora, com outro rigor, na planimetria da realidade, da vida e dos Homens, mesmo na sua mais áspera condição humana.

Importa, para o nosso caso específico, saber que Herbert Marcuse se serviu da teoria da arte pela arte como mais um argumento no sentido da sua superação relativamente à ortodoxia marxista. Para ele, até a Arte pela Arte possui uma função, na medida em que o alheamento relacional do artista significa rebelião. Ou seja, e muito rapidamente, se o artista labora independentemente da realidade é porque está a criticá-la, a rebelar-se contra ela, ou a olvidá-la por menosprezo, por não concordar com ela. A prática de uma arte pela arte é, para Marcuse, um facto que deve ler-se como a prática da crítica, do reparo e da reprimenda social. Trata-se, então, de uma espécie de teoria que funcionaliza o constructo decadentista que defendia a inutilidade da arte….

terça-feira, novembro 07, 2006

Notas sobre um exame, muito rapidamente

Estou, neste preciso momento, a corrigir os exames da segunda época da disciplina de Sociologia da Arte (UAb, código 721) e sinto um forte impulso que me leva a escrever sobre determinados assuntos, presentes da prova, numa forma de discurso muito rápida.

O facto é que encontro, na medida da leitura das provas, grandes lacunas de conhecimento, especialmente no âmbito do manuseamento de alguns conceitos-base da disciplina, fenómeno que conduz ao surgimento de grandes conflitos teóricos que, no cúmulo, transportam erros mais persistentes. Às vezes são mesmo os pequenos enganos, aqueles que pensamos serem de somenos, que nos levam a adulterar as formas de pensamento que, em progressão, geram infinitos erros.

Na resposta à primeira pergunta da segunda parte do exercício, notei ser recorrente a confusão entre:
autonomia da arte e autonomia do artista
liberdade artística e liberalidade do artista

Marcuse afiançou, justamente, que a arte é, ou deve ser, perfeitamente autónoma perante as relações sociais existentes na medida em que a arte também vale por si, como um sistema imbuído de valores estéticos que, para a grande maioria dos marxistas ortodoxos, não eram valorizados. Escreveu o autor que a sua crítica à ortodoxia marxista se baseia, precisamente, nos postulados aos quais ela mesma se vincula, ou seja, por encarar a arte no contexto estrito das relações sociais prevalecentes, atribuindo assim à arte uma função política e um potencial político. Marcuse vê o potencial político da arte na própria arte, na forma estética em si e, para além disso, Marcuse defende que é pela forma estética da arte que ela surge absolutamente autónoma perante as relações sociais existentes.

O que faz com que um objecto (leia-se também um acontecimento, ou um conjunto de sons, de movimentos, ou uma rua, ou outro qualquer edifício construído num determinado sistema cultural) possa considerar-se como um objecto artístico? Esta questão, que é recorrente, adiantou o pensamento deste nosso autor no sentido de se ultrapassar a norma da identificação do objecto-arte com o discurso ortodoxo que o fazia prever como o representante dos verdadeiros interesses da burguesia. As obras de arte, para Marcuse, são entidades com vida própria, para além das suas ligações com a territorialidade política, económica, cultural e social. A arte também vale por si, transcendendo a praxis, porque ela é corpo singular que pulsa, que grita, que se aflige, que sangra, ou que inebria... ela é, por si só, um discurso…

Trata-se então da declaração de uma determinada autonomia da arte, e num determinado contexto expresso por Marcuse, porque há outros (inúmeros), que não possuem quaisquer ligações com a ideia da autonomia do artista. Esta autonomia do artista, vista à luz, por exemplo, da sua emancipação relativamente aos grilhões corporativos, ou da estrutura fechada da encomenda medieval, ou de outros regimes, ou sistemas mais ou menos inibitórios do trabalho criativo puro e simples, não possui quaisquer relações com a autonomia da arte enunciada na questão do exame em causa. Este é outro assunto que está relacionado, correctamente, com a segunda confusão achada nos textos de resposta à pergunta em aferição: a liberdade e a liberalidade artística

Em primeiro lugar, devemos estar conscientes de que no nosso contexto de pensamento, autonomia não quer dizer o mesmo que liberdade, no seu justo sentido de libertação, ou de alforria. Concretamente, dizer-se que o artista medieval era, senso lato, um indivíduo sem liberdade, não está correcto. O artista era, mesmo quando ao serviço de um indivíduo, de uma instituição, ou de uma comunidade, um homem livre (embora sujeito a normas, embora sujeito a punições, embora sujeito a contratos, embora sujeito ao trabalho dentro de determinados sistemas de integração…). O Renascimento não veio, de facto, libertar o artista mas, por outro lado, veio oferecer-lhe uma nova estrutura de pensamento: o artista é um indivíduo liberal. Tratamos, neste nosso contexto de pensamento, de liberalidade e não de liberdade. O artista assume-se, a dada altura da sua história, como um sujeito dotado de capacidades intelectuais (é claro que a capacidade intelectual oferece mais liberdade ao sujeito, mas não é este o caso que queremos tratar no momento…). A assunção da capacidade intelectual do artista é concomitante à verificação do uso das artes liberais no contexto de aprendizagem e de desenvolvimento do trabalho artístico. De facto, o artista fazia (e faz) uso, no seu exercício, das artes liberais, do trívium e do quadrívium, consubstancias da sua própria ciência, ou da sua experiência, destacando-se, também por esse motivo, do cômputo de artistas mecânicos, ou meramente manuais, ou daqueles cujo serviço público não passa pelo trabalho intelectual. A assunção da liberalidade artística é, assim, a separação das aras manuais feita pelos indivíduos que laboram com a invenção

sexta-feira, setembro 29, 2006

extática


e na presença da morte
endurecemos os sentidos
porque a inevitabilidade do fenómeno é paralisante
mas na presença da concupiscência incorrupta,
e na da imputabilidade da sua dissolução
nos tonificamos,
porque ainda atendemos demais às carnalidades da vida

quando cerramos os olhos na presença da luz, achamos que podemos voltar ao lugar de onde nunca devíamos ter saído

sexta-feira, setembro 08, 2006

Lierto pensamentos que podem vir a ser úteis

O objecto de estudo da sociologia é, justamente, a sociedade e a sociologia é, por sua vez, a ciência da sociedade atenta ao essencial. Parece constituir-se como uma tarefa difícil, este discernimento com tão amplo espectro e é-o, de facto, tal como se torna amplamente difícil encontrar um caminho, o verdadeiro caminho para o encontro da verdade. A verdade que, em Sociologia, não pode existir, para além daquela que constitui, eventualmente, a verdade da existência dos próprios fenómenos sociais.

Há que seleccionar, do todo da sociedade, os elementos que se consideram essenciais e, de certa forma, aqueles que são determinantes. A sociologia, segundo Adorno, trata de lidar com o essencial (longe do significado filosófico do “ser em si” que é a “essência”, neste caso versus “acidente”), ou tenta apreender a objectividade da sociedade. A sociologia interessa-se, fundamentalmente, pelas leis de movimento da sociedade: o modo como as situações, ou os fenómenos, se geraram e para onde se dirigem, durante o seu desenvolvimento. A sociologia estuda a dialéctica da sociedade e/o seu devir, almejando-se que, neste processo, não se escamoteiem os elementos apensos ao conhecimento da história.

Os objectos essenciais são, precisamente, aqueles que, imediata e aparentemente, não têm grande importância mas «nos quais a essência se manifesta de modo mais perfeito do que se nos dirigirmos às questões essenciais numa certa imediatidade que, por isso mesmo, se pode equiparar ao grande.» (cf.Theodor W. Adorno, Lições de Sociologia, Ed. 70, col. Ciências do Homem, Lisboa, 2004, p. 33). Um objecto de estudo não deve demarcar-se antecipadamente como essencial, porque a sua essencialidade manifesta-se através daquilo que desse objecto emerge.

Para Adorno, essenciais são as leis objectivas do movimento da sociedade, aquelas que decidem o destino dos homens e que acabam por constituir a sua fortuna. Por outro lado, também é essencial a possibilidade, ou potencial, de que as coisas, na realidade, possam ser diferentes, e de que a sociedade deixe de ser uma associação apertada.

Mas ainda fica por saber o que se entende por “sociedade”. Em primeiro lugar, temos de saber que não há uma, mas muitas sociedades e que esta existência inibe a concepção de uma definição única para o conceito em causa. Mas se nos colocarmos no âmbito das linhas orientadoras do que há de essencial nas sociedades, temos a certeza de que uma sociedade, seja ela qual for, é um conjunto de Homens vivendo em comunidade (segundo o tipo de comunidade que for), articulando-se em torno da produção e da reprodução da vida. São os próprios homens que definem o modo como vivem a sua existência em comunidade. A forma como os homens se congregam respeita uma linha de funcionamento que abrange todos os elementos dessa sociedade, e que se assume, a dada altura, como uma força que ganhou a sua autonomia, em tempos próprios.

A sociedade, ou as sociedades, evoluíram historicamente e é também por esse motivo que não podem estudar-se sem ter em linha de conta esta dimensão, que é a dimensão do seu devir histórico, e da sua dialéctica temporal, com as suas forças naturais.

A sociedade deve também entender-se como uma estrutura funcional, mas onde existem fortes relações de troca entre os sujeitos. No dizer de Adorno, «a sociedade, a sociedade socializada, não é apenas a relação funcional entre os homens socializados. É essencialmente, enquanto pressuposto, determinada pela troca. Aquilo que, em rigor, torna social a sociedade, que, em sentido específico, está na base tanto da constituição do seu conceito como da sua constituição real é a relação de troca que abarca, virtualmente, todos os homens que participam nesse conceito de sociedade e que, num certo sentido, é também a condição das sociedades pós-capitalistas, nas quais não se pode dizer que já não haja troca.» (cf. Theodor W. Adorno, Lições de Sociologia, ..., p. 49).

Procurar, por entre os vários métodos de trabalho e de pesquisa, ou por entre os vários modelos de explicação dos fenómenos que se colocam no âmbito do estudo desta ainda tímida ciência, um que possa considerar-se como mais eficaz é um trabalho vão. Em sociologia, deve procurar-se sistematicamente o método mais válido para cada estádio do conhecimento. A evolução da ciência, como escreveu Adorno, é que determina a sua metodologia.


A Sociologia pode entender-se como a ciência dos factos, cujo conjunto constitui a vida colectiva dos homens. Em sociologia buscam-se constantemente novas estruturas e novos modelos (modo de explicação científico do geral e do particular social, substituindo uma realidade empírica por outra mais clara e mais fácil de explorar cientificamente) sociais.


O sociólogo deve ser um atento observador das efervescências do actual.


Só o entrecruzar de conjunturas simultâneas (económica, política, social, religiosa, cultural...) dará lugar a uma sociologia eficaz.


«A longa duração é a história interminável, indesgastável, das estruturas e dos grupos de estruturas», confundindo-se com a sociologia (cf. Fernand Braudel, História e Ciências Sociais, Presença, Lisboa, 1990, p. 82).


Em certa medida, não há diferenças entre uma sociologia da arte e uma história da arte, assim como entre uma sociologia do trabalho e uma história do trabalho, entre uma sociologia literária e uma história literária (cf. Fernand Braudel, História e Ciências Sociais, Presença, Lisboa, 1990, p. 77).


Para Durkheim, os factos sociais são aqueles que se caracterizam por consistir em maneiras de agir, de pensar e de sentir que são exteriores ao indivíduo, e dotadas de um poder coercivo em virtude do qual se lhe impõem (Cf. Émile Durkheim, As regras do método sociológico, Presença, Lisboa, 2004, p. 39). Não se constituem com factos sociológicos, mas constituem matéria da sociologia. Nas suas próprias palavras, «Facto social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, susceptível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independentemente das suas manifestações individuais.» (idem, ibid., p. 47).

Quem não conseguir discernir, no cômputo geral da análise da sociedade, o que é essencial, daquilo que o não é, não poderá identificar como o essencial concerne aos factos sociais individuais que são os componentes do todo social e, por isso mesmo, não deverá enveredar pelo estudo da sociologia. Conforme explicou Adorno, também não é sociólogo «aquele que se contenta com intuições de essências e não verifica semelhantes intuições nas condições históricas numa medida essencial, sob as quais se gerou o fenómeno e que o fenómeno, tantas vezes, expressa e articula.» (Theodor W. Adorno, Lições de Sociologia, ..., p. 36).


A relação que a sociologia da arte mantém com os objectos artísticos...
A sociologia da arte mantém-se, relativamente ao mundo das formas artísticas, numa posição de trasmundo (Nietzsche) ou, se quisermos, ela busca atrás do mundo das manifestações artísticas.

terça-feira, junho 13, 2006

Entre nós...




«... só é definível o que não tem história ...».
Nietzsche

segunda-feira, junho 12, 2006

se me perguntardes






«Se me perguntardes o que deveria ser a sociologia, então eu diria que ela tem de ser o exame da sociedade, do essencial da sociedade, o exame do existente, mas num sentido tal que este exame seja crítico, porquanto ela é aquilo que socialmente “é o caso”, como diria Wittgenstein, no qual se prescinde daquilo que reivindica ser por si próprio para, simultaneamente, nesta contradição, rastrear o potencial, as possibilidades de uma mudança da constituição social total.».
Theodor W. Adorno, Lições de Sociologia, ed. 70, Lisboa, 2004, numa lição de 1968



Mas mais acrescenta o autor que a sociologia é, acima de tudo, e tradionalmente, aquilo que com ela se faz, na medida em que o objecto do seu trabalho é ilimitado. . .
*
já que, como pensou Hegel,
«nada há sob o sol, mas absolutamente nada que, por ser mediado através da inteligência e do pensamento humanos, não seja ao mesmo tempo socialmente mediado.».

segunda-feira, abril 17, 2006

Para além da razão

(Carla Gonçalves, Uma visão de luz sem suporte em papel, 2001)

Merleau-Ponty, como eu, conclui que a percepção não pode ser um acto de «pura síntese intelectual» mas, para além da sua componente lógica e de cálculo, no que concerne à sua capacidade, ou necessidade de organizar, classificar e avaliar, ela insere-se em constelações afectvas, na cumplicidade do nosso desejo e dos nossos devaneios, na intermitência da nossa vida emocional.
Os objectos, e também as pessoas que vemos e/ou com as quais nos relacionamos, não possuem qualidades isoladas, mas estabelecem infinitas correspondências connosco, em vários sentidos, criando assim diversos e mutantes significados.
É do sentido das coisas que, creio, devemos retirar todas as significações.
O mundo não se constrói isoladamente. São os homens que, de forma absoluta, reconstroem este mundo que assim se vê, que assim se palpa... que assim se sente. E para percepcionarmos o mundo, temos de arrancar de nós o que de mais fascinante possuímos, que é sentir. Antes de ver devemos activar, dentro de nós, esta capacidade de ser no mundo na integridade do existir. Devemos deixar fazer parte de nós a (criativa) narrativa da vida, interagindo com ela, para que possa accionar-se o mecanismo do viver.
Quando soubermos equilibrar todos os sentidos devemos conseguimos ver o sonho, fazendo então parte dele durante a nossa vigília. E que mistérios traremos nós à tona da nossa relação com o mundo, feito de coisas e de homens, quando os nossos sentidos harmonizados fizerem de nós aquilo que nós gostaríamos mesmo de ser... residiria aí a salvação para a reconstrução do mundo feito de nós...

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Sobre o carácter dialogante da obra

Segundo E. Prado Coelho,
«a obra artística é um acontecimento e formula-se no interior de um horizonte transubjectivo de compreensão que obedece à lógica hermenêutica da teoria de Gadamer: a lógica da pergunta e da resposta. Porque qualquer obra é resposta a uma pergunta. A tarefa do intérprete é identificar a pergunta que deu origem à obra e avaliar de que modo a obra lhe responde. Isto significa que uma obra nasce tendo como pano de fundo um horizonte de expectativas que resulta da convergência de vários factores: a experiência prévia que o leitor tem do meio, a forma e a temática de obras anteriores cujo conhecimento se pressupõe, e a oposição entre o mundo imaginário e a realidade quotidiana. A ideia de que uma obra de arte surge do nada é insustentável, até porque a novidade absoluta é incomunicável e jamais atingiria o leitor. Há portanto uma cumplicidade prévia que a obra mobiliza através de um jogo de sinais e referências [...] e que produz o horizonte de expectativas que o texto interioriza.».
E. Prado Coelho,
A Mecânica dos Fluidos: Literatura, Cinema, Teoria,
INCM, Lisboa, 1984, p. 249.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Comentável

«Na obra, acontece esta abertura, a saber, a desocultação, ou seja, a verdade do ente. Na obra de arte, a verdade do ente pôs-se em obra, na obra. A arte é o pôr-se-em-obra da verdade.»

Martin Heidegger, A origem da obra de Arte, Biblioteca de Filosofia Contemporânea, Edições 70, Lisboa, 1989, p. 30.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

A sociedade e a arte






Somos forçados a separar as realidades sociais no tempo e no espaço, para que as possamos entender, e para que possamos lidar convenientemente com as suas estruturas.

Falar numa Sociologia das Artes é empreender uma determinada viagem de sonho, porque a sociedade é mutante, alterando-se com o caminhar do tempo e na medida da sua história. A situação cronológica avisa e dá o prumo dos temas sobre os quais se deve ater o sujeito. E para além das sociedades, também o conceito de arte deve ser usado com a devida circunspecção, porque aquilo que até Kant era considerado como Arte pode ter deixado de o ser, e foi-o, certamente…

Deve então falar-se de numa sociologia da arte aplicada ao tempo e, por conseguinte, a uma determinada sociedade? Ou deve ressalvar-se o facto da possibilidade de aplicação de método sociológico quando nos abeiramos desta questão?

O contacto que os sujeitos mantêm com as obras de artes, entendidas no seu valor absoluto, foi-se reformando também por força das alterações de todas as estruturas que os circundam e que os enformam. Não nos restam dúvidas que durante a Idade Média e durante grande parte da modernidade, a relação mantida entre os sujeitos (emissores e receptores) e as obras de arte não é o mesmo que perdura nos nossos dias e, da mesma forma, também as obras de arte contemporâneas possuem já poucos pontos de contacto com aquelas que se fizeram nos períodos da história mais recuados. O exemplo clássico do texto de W. Benjamin («A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica») ilustra precisamente esta mudança que as novas formas de arte introduziram no plano teórico (a fotografia e o cinema…) e a mudança de relacionamento dos homens com a arte que se democratizou e que se leva para casa.

Grosso modo, devemos acautelar-nos com as tentadoras generalizações que fazemos quando falamos em criação artística, em obra de arte, em recepção da obra da arte, em arte como produção de classe, em arte como motriz das revoluções, em arte como fenómeno religioso, burgês ou capitalista, em arte pública, em arte com autonomia, democrática, ou em arte como símbolo, como fenómeno subjectivo, elitista, de sublimação, como realização de fruição prazenteira ou em arte como mensagem…

Devemos acautelar-nos quando pensamos que o método sociológico pode aplicar-se da mesma forma quando estudamos os movimentos artísticos do século XX, ou quando estudamos o desenvolvimento da arte do Renascimento. As perguntas que nos fazemos são diferentes, porque associadas a uma sociedade que é naturalmente diferente, tal como o próprio conceito “Arte”.

Em determinadas situações sociais, reconhece-se a existência de uma Arte e é neste contexto que a sociologia deve actuar: por forma a compreender o processo segundo o qual se realiza (se mantém e imortaliza) uma determinada forma de Arte, por forma a compreender o processo segundo o qual se realizam as relações que os sujeitos (agrupados ou individualizados) mantêm, ou não, com as obras, por forma a entender os mecanismos de interactuação e de transformação que as obras de arte podem, ou não, desenvolver nos sujeitos.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Pousamos o nosso olhar para ir mais longe


E quando nos pousamos na obra, quando a tocamos e, depois, quando a lemos, quando lhe buscamos sentidos e tentamos decifrá-la, participamos da sua índole porque ela fala, na sua linguagem única e através de códigos que lhe são próprios. A obra vai-se revelando, vai ultrapassando a sua forma e dá-se ao mundo.
O papel do artista como agente de comunicação, e como enformador e criador de mundos é, neste contexto, incomparável a qualquer outro interveniente social. Trata-se de um produtor invulgar, que compõe obras graúdas em valores estéticos, e que respira o ar do mundo como fonte de inspiração e como forma de interpretação. E depois de encher o peito de mundo, o artista transforma-o em outra natureza oferecível e desvendável. E a obra de arte é, ou devia ser, um fruto e, ao mesmo tempo, um factor enformante que ajuda a recriar as estruturas do todo social e que provoca reacções, porque ela consubstancia um ardil dialogante...
Mas este lugar do artista no mundo nem sempre aconteceu desta forma. Ele foi de tudo, e de nada, ele foi homem e também foi deus... ele foi, ao longo da história, aquilo em que soube e em que pode transformar-se.
Porventura esse homem tudo-e-nada, e que cruzou o seu destino com o nosso nalgum ponto de encontro que fizemos com o mundo, deixou livre o seu lugar para o ceder ao seu conceito...

A construção


"Para ser objecto de uma experiência total, toda a obra de arte exige o pensamento [...]."
T. W. Adorno, 1970.


"E a tarefa de uma história da Arte consiste em demonstrar que essas formas precisas [...] têm necessariamente raízes económicas, sociais, políticas e religiosas que se exprimem, representam e revelam através das formas; e que essas formas actuam, por sua vez, novamente sobre as suas raízes e contribuem [...] para a sua transformação."
N. Hadjinicolaou, 1973

Socialarte

Este espaço, ainda experimental, propõe uma viagem através da Sociologia da Arte e de outros assuntos sempre relacionados com as preocupações teóricas que advêm do estudo desta matéria. A razão principal desta experiência prende-se com o facto de entender que tem havido falhas na tão necessária comunicação que um docente tem de manter com o seu núcleo tão vasto de alunos. E como o corpo dos alunos inscritos em Sociologia da Arte na Universidade Aberta é tão amplo, talvez consiga, com este blog, estreitar os nossos caminhos...
As relações das Artes plásticas com a Sociedade são tão prenhes que a sua exploração não cabe num espaço reduzido como este, e é por esse motivo que vou deixando cair pequenas folhas que, quando chegadas ao chão, e depois de um certo tempo, vão criando um pano de fundo cada vez mais denso e mais coeso, por forma a tapar os espaços que podiam ter ficado em branco.
Escreveu Arnold Hauser que o verdadeiro fenómeno estético é a experiencia da totalidade que o homem total retira da totalidade da vida, o processo dinâmico, no qual o sujeito criador e o receptor estão em uníssono com o mundo real e com a vida efectivamente vivida e não com um objecto-arte objectivo e dissociado do sujeito.