segunda-feira, abril 17, 2006

Para além da razão

(Carla Gonçalves, Uma visão de luz sem suporte em papel, 2001)

Merleau-Ponty, como eu, conclui que a percepção não pode ser um acto de «pura síntese intelectual» mas, para além da sua componente lógica e de cálculo, no que concerne à sua capacidade, ou necessidade de organizar, classificar e avaliar, ela insere-se em constelações afectvas, na cumplicidade do nosso desejo e dos nossos devaneios, na intermitência da nossa vida emocional.
Os objectos, e também as pessoas que vemos e/ou com as quais nos relacionamos, não possuem qualidades isoladas, mas estabelecem infinitas correspondências connosco, em vários sentidos, criando assim diversos e mutantes significados.
É do sentido das coisas que, creio, devemos retirar todas as significações.
O mundo não se constrói isoladamente. São os homens que, de forma absoluta, reconstroem este mundo que assim se vê, que assim se palpa... que assim se sente. E para percepcionarmos o mundo, temos de arrancar de nós o que de mais fascinante possuímos, que é sentir. Antes de ver devemos activar, dentro de nós, esta capacidade de ser no mundo na integridade do existir. Devemos deixar fazer parte de nós a (criativa) narrativa da vida, interagindo com ela, para que possa accionar-se o mecanismo do viver.
Quando soubermos equilibrar todos os sentidos devemos conseguimos ver o sonho, fazendo então parte dele durante a nossa vigília. E que mistérios traremos nós à tona da nossa relação com o mundo, feito de coisas e de homens, quando os nossos sentidos harmonizados fizerem de nós aquilo que nós gostaríamos mesmo de ser... residiria aí a salvação para a reconstrução do mundo feito de nós...