sexta-feira, setembro 28, 2007

Exercícios espirituais



Olhai então para dentro fixamente para que possas encontrar o fio que une os teus olhos à razão e aos lumes mais intensos.
Desse grande fio, se o encontrardes, soltar-se-á, embora de uma forma difusa, a imagem completa da tua vida.
E dessa imagem, que na altura te ocorrerá depressa demais, restará, na melhor das hipóteses, um sabor amável, e um som muito apagado, como que imperceptível.
Se essa for a resposta, restarás sã.
Mas se dessa imagem se soltarem profecias mais robustecidas, como os jorros de reproduções nítidas do teu destino, renova o olhar para dentro fixamente, para que possas reencontrar o fio que une os teus olhos à razão e aos lumes mais intensos, repetindo o exercício até que não vejas, nem sintas nada.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Duas palavras (no Panteão) a deus



«O Karma é o encantamento (desastroso) das acções (das suas causas e dos seus efeitos).

O budista quer afastar-se do Karma; quer suspender o jogo da causalidade; quer ausentar-se dos signos, ignorar a questão prática: que fazer? Não deixo, eu próprio, de pô-la a mim mesmo e suspiro por esta suspensão do karma que é o nirvana. Também as situações que, por acaso, me não impõem qualquer responsabilidade de conduta, por mais dolorosas que sejam, são recebidas numa espécie de paz; sofro, mas pelo menos nada tenho para decidir; a máquina do amor (imaginário) funciona aqui completamente sozinha, sem mim; como um operário da era electrónica, ou como o cábula do fundo da aula, apenas tenho de estar presente: o Karma (a máquina, a aula) sussurra diante de mi, mas sem mim. Na própria infelicidade, posso, num momento muito breve, arranjar um cantinho de preguiça».

Roland Barthes,Fragmentos de um discurso amoroso, trad. Isabel Pedrosa, Ed. 70, Lisboa, 2006, p. 85

terça-feira, setembro 25, 2007

WAS? ...



«Antes de me ter encontrado, Irrsigler não tinha, por exemplo, a mínima noção de música, de nenhuma arte, no fundo absolutamente de nada, nem sequer da sua estupidez. Agora, Irrsigler sabe mais que todos esses parladores de história de arte que todos os dias aqui vêm e enchem os ouvidos das pessoas com o seu cretinismo histórico-artístico. Irrsigler sabe mais que esses asquerosos peroradores da história de arte que todos os dias destroem para toda a vida, com o seu palavreado, dezenas de classes escolares que vão impelindo à sua frente. Os historiadores da arte são os verdadeiros destruidores da arte, disse Reger. Os historiadores da arte arengam tanto tempo sobre a arte que acabam por, com a sua arenga, a levar à morte. A arte é levada á morte pelos historiadores da arte. Meu Deus, penso eu muitas vezes, aqui sentado no banco, quando os historiadores da arte passam por mim conduzindo os seus rebanhos inermes, como são de lamentar todas essas pessoas, às quais precisamente estes historiadores da arte fazem perder, perder definitivamente, o interesse pela arte, disse Reger. A profissão de historiador da arte é a mais perversa profissão que existe e um historiador da arte arengador, e só há realmente historiadores da arte arengadores, precisava de ser corrido a chicote, corrido do mundo da arte, disse Reger, todos os historiadores da arte são os verdadeiros destruidores da arte e nós não devemos permitir a destruição da arte por aqueles que, intitulando-se seus historiadores, nada mais fazem do que destruí-la. Quando ouvimos um historiador da arte, sentimos náuseas, disse ele, ouvindo um historiador da arte, vemos como é destruída a arte sobre que ele arenga, com a arenga do historiador da arte a arte atrofia-se e é destruída. Milhares ou mesmo dezenas de milhares de historiadores da arte dilaceram a arte com a sua arenga e assim a destroem, disse ele. Os historiadores da arte são efectivamente os seus assassinos, se escutarmos um historiador da arte, participamos na sua destruição, onde quer que um historiador da arte se apresente, a arte é destruída, esta é que é a verdade [...]».



Thomas Bernhard, Antigos Mestres, trad. José ª Palma Caetano, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003, pp. 54 e 55

quinta-feira, setembro 20, 2007

Tributo a Friedrich Nietzsche

«Deixando de lado o facto de ser um décadent, sou igualmente o seu contrário. A minha prova disso é que, entre outras coisas, escolhi sempre instintivamente os meios correctos nas piores condições; ao passo que o décadent em si escolhe sempre os meios que lhe são nocivos. Como summa summarum, eu era saudável; como mero ângulo, como especialidade, era décadent. A energia para o absoluto isolamento e a libertação das condições habituais, a coerção feita a mim mesmo de não me deixar curar, tratar, medicar ─ tudo isso trai a incondicional certeza instintiva sobre aquilo de que estão eu acima de tudo necessitava. Peguei em mim mesmo, restituí a mim próprio a saúde: a condição para tal ─ todo o fisiologista o admitirá ─ é estar fundamentalmente são. Um ser tipicamente doente não pode tornar-se são, e menos ainda curar-se a si mesmo; para quem é tipicamente saudável, estar doente pode, pelo contrário, ser mesmo um enérgico estímulo de vida, de mais vida. Assim me surge agora efectivamente aquele longo período de enfermidade: descobri, por assim dizer, de novo a vida, avaliei-me a mim próprio, saboreei todas as coisas boas e até mesmo as coisas pequenas, como não é fácil que os outros as possam saborear ─ da minha vontade de saúde, de vida, fiz a minha filosofia… Atenda-se pois ao seguinte: os anos da minha mais baixa vitalidade foram aqueles em que deixei de ser pessimista; o instinto do auto-restabelecimento proibiu-me uma filosofia da pobreza e do desânimo… E onde se reconhece no fundo a boa constituição? Em que um homem bem constituído é agradável aos nossos sentidos; em ser talhado de uma madeira que é ao mesmo tempo dura suave e olerosa. Apetece-lhe apenas o que lhe é benéfico; o seu agrado, o seu prazer cessa quando a medida do suportável é ultrapassada. Adivinha remédios contra o que causa danos, utiliza casos nocivos em sua própria vantagem; o que não o mata torna-o mais forte. Compila instintivamente a sua suma a partir de tudo o que vê, ouve, vive: é um princípio selectivo, e deixa de lado muitas coisas. Está sempre na sua sociedade, lide ele com livros, homens ou paisagens: honra ao escolher, ao admitir, ao confiar. Reage lentamente a todo o estímulo, com aquela lentidão que lhe ensinaram uma longa circunspecção e um orgulho deliberado ─ perscruta o fascínio que dele se aproxima, mas está longe de lhe sair ao encontro. Não crê nem a “infelicidade”, nem na “culpa”: sente-se realizado, consigo, com os outros, sabe esquecer ─ é suficientemente forte para que tudo redunde em seu maior proveito. ─ Muito bem, sou o contrário de um décadent: pois descrevi-me justamente a mim mesmo.».

Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, trad. Artur Morão, Ed. 70, Lisboa, 2002, pp. 23 e 24.

sexta-feira, setembro 14, 2007

beyond Steve Reich music

ANONYMUSBOSCH

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Caleidoscópio rodante
de giros suaves
diz-me assim porque é que só dormindo se chega aí ao céu
caleidoscópio meu
quando chegar ao teu céu caleidoscópico, quero lá enublar-me
e no sudário que aqui ficar, imporás nele o meu nome
e do nome que escreverás sairá o rosto das minhas nuvens crescidas
mas estarei bem
Caleidoscópio

no comment

The virgin suicides

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sexta-feira, setembro 07, 2007

De tudo e De nada, ainda em 2005

New Order - Temptation ( The Heaven & Earth Division RX )

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Porque somos tão incrivelmente iguais?

mete medo saber que afinal o mundo inteiro pode ser uma piada.

com um sorriso nos lábios igual ao de 84, ainda espreito para fora e para dentro, sem saber a cor que os meus olhos hão-de tomar

quarta-feira, setembro 05, 2007

music from ryuichi sakamoto



Rain

o combóio não quer parar de passar. e quando passa não pára. e levo os olhos postos nele, como se daqui me fosse para também já não ficar. quem irá nesse combóio movente, que quando passa não pára.
fica agora, combóio. para sentires comigo a chuva, esta mesma, feita da água que não cai.

segunda-feira, setembro 03, 2007

um retrato de mulher



dedicado à minha querida catarina santos,
com um abraço de mulher
à mulher que assim cresce...