quarta-feira, maio 28, 2008

I am what I am

E discorrendo sobre o facto de haver coisas que afinal não devem valer tanto a pena, fechou os olhos.
Estava, por certo, muito cansada.
E quando assim encerrou a sua relação com a vigília, e mesmo não querendo, por preferir centrar-se no sono, percorreu-a inteira a memória de velhos passos dados, e de velhas reacções despertadas, e de tantos e velhos minutos decorridos, e não encontrou neles um erro que a pudesse macular.
E nesse instante ela viu tudo, sentiu todas as dores provocadas, ouviu o som das palavras que deixou cair, e nessa solidão estimulada pelas memórias extenuou-se imensamente, alvitrando que jamais pudesse sair dessa condição de fadiga ao rubro.
Horas volvidas nesta vastidão de emoções retornou ao mundo das cores, num amanhecer retumbante de sentidos cruzados durante um sono descomedido.
Contas feitas por dentro, já de nada lhe importava que dela fosse feita, tão perpetuamente, a imagem criada pelas reclamações, por vezes tão contraditórias e de outras tão sinistras, que a ela era exterior. E em abono da verdade, já não estava incomodada porque dela queriam outros fazer outra, por vezes muito melhor, por vezes muito pior do que ela mesma.
Esfumara-se dentro dela a culpa que nunca havia merecido, e estava bem assim, sem mudar uma linha ao seu destino de pessoa sã e desassombrada.
E a sua correcção, adivinhara-a ela durante o sono excessivo, um sono longo e de longos prazeres de reconhecimento de si, provinha-lhe precisamente desse seu meigo desassossego, dessa sua condição de gente que não mede o que dela se projecta, precisamente por não ter culpa.
A sua correcção, concluiu ela naquela manhã de espaventos interiores, advém-lhe do facto de ser igual dentro e fora do seu corpo.
A sua índole, sem ser perfeita, era contudo menos repreensível do que lhe queiram fazer crer.
E nessa justa medida da sua têmpera continuaria viva e fervente e, caso fosse mesmo essa a necessidade, apartar-se-ia dos outros, para não incorrer na sua própria inutilização.
Pensou, por fim, desentorpecendo-se, que mais vale ser, do que passar a vida a doer.

___________________________ and life goes on....

quarta-feira, maio 21, 2008

o mundo dos centauros, dos duendes e dos cíbridos











Não sendo uma pessoa de fé, não consigo acreditar na Criação e nem sequer acredito que possamos ser filhos de uma entidade sumamente boa, sumamente grande e sumamente bela, omnipresente e omnipotente.
Sinto o enredo da vida como uma realidade que resulta de um processo feito de contínuas mutações. Também sinto, muito misteriosamente, ou talvez porque o meu cérebro possui um desvio que me proporciona esse vislumbre inexplicável, que a vida de cada um acontece e reacontece, como uma torrente que persiste.

Por vezes acredito que vivemos uma experiência conduzida, pré-estabelecida, ou programada, mas não sei explicar como e porquê, embora pressinta essa explicação, que para mim, não passa pela existência do Deus que nos vem sendo apresentado. A minha relação com as coisas da natureza e da metafásica é algo estranha, contraditória e inexplicável, e passo muito tempo a pensar nisso, nesta confusão em que persistentemente me encontro, talvez devido ao facto de não conseguir acreditar na Criação.

Este discurso serve-me de introdução ao assunto que corre presentemente sobre a criação de cíbridos que, segundo creio, são o mesmo que híbridos especiais, gerados laboratorialmente a partir de um citoplasma não humano com um núcleo humano. Depois da era controversa dos clones, chegámos finalmente ao tempo dos embriões híbridos.

Pois muito bem.

Desde os alvores da humanidade que as quimeras e os híbridos povoam os nossos sonhos, por vezes mais horrendos e assustadores, mas ainda assim eles fazem parte, desde cedo, do nosso mundo paralelo que, um dia, pode tornar-se, e enfim, na realidade das coisas, transferido definitivamente para a nossa dimensão de vida quotidiana, toda cheia de rotinas.
Tento esquecer, embora a custo, uma vasta gama de imagens que me acometem quando penso nestes híbridos, provinda de uma série de obras de arte mitológica ou, mais recentemente, dos filmes de ficção científica, que também me foram expondo aos mais estranhos seres encerrados, ou não, em caixas de sobrevivência, ou noutros lugares distantes do olhar das multidões até à eclosão definitiva, para a vingança final. Tento esquecer estas tantas e tão diferentes representações, que também são frutos do medo que o homem tem da sua própria imaginação, e do progresso, aliado ao espírito de descoberta, porque sei que esse género de comparação é infantil.
Arredada deste imaginário ficcional, vejo-me na realidade. E na realidade, desenrola-se um novo processo, em episódios não menos rápidos, quanto assustadores: no interior de um laboratório, o cientista retira o núcleo de alguns óvulos animais, introduz-lhes o núcleo de uma célula humana e inicia o desenvolvimento de um embrião. Isto porque há mais óvulos de animais à disposição do cientista, e porque assim se evitam os danos colaterais que as mulheres, doadoras de óvulos, possam sofrer.

É interessante verificar que o comportamento humano é sempre motivado pela nobreza. São inúmeros os casos de experiências científicas motivadas pelo bem da humanidade, pela sua saúde e bem-estar, mas que, depois desse nobre objectivo, e porque o homem não é perfeito, e porque mesmo que o fosse, outros há que se deixam conduzir pelos maus fluidos, essas mesmas experimentações acabam por degenerar-se, resultando em processos inesperados, e que vão no sentido inverso do seu motor. O desinteresse pelo conhecimento da História causa a repetição inevitável destes, e de tantos outros processos, e faz com que o homem continue a pasmar-se com os resultados avessos às suas intenções de real decoro, ou dignidade.

Então, e voltando aos híbridos especiais, a experimentação que agora se aprova na Grã-Bretanha, pode conduzir à obtenção de um ser vivo com um ADN humano em núcleo, miscigenado com outros materiais biológicos não humanos (o citoplasma, por exemplo). Trata-se de um cytoplasmic hybrid embryo. (pausa).
Volto ao mundo da ficção e às imagens que tento esquecer de seres com aberrantes alterações provocadas por pequeninas transformaçõees induzidas pela incurável imaginação e criatividade dos cientistas. E porque volto a isto também me culpabilizo pela minha própria ignorância. Ora se eu quero fazer ciência, embora em terrenos menos pantanosos, também não devo coarctar essa possibilidade aos outros.
Este cíbrido agora em aferiçao contém 99% de ADN humano, levando-nos a acalmar os ânimos, por tratar-se de um embrião praticamente humano.

Muito bem. (pausa).

Depois desta fusão, o cientista pode realizar, com o embrião assim gerado, um sem número de experiências que devem resultar na diminuição de algumas doenças que causam a morte de milhares de pessoas. Espera-se que estes embri~ees (com o citoplasma não humano e núcleo humano, ou embriões citoplásticos) sejam, durante estes processos, naturalmente destruídos. Muito bem. Todavia, não se sabe ao certo se esta estranha mistura feita de homem e animal corresponde, de facto, a um embrião, no sentido que a ciência lhe tem dado. Também calculo que não se conheça o verdadeiro resultado desta fusão ou se, por um acaso, há possibilidades de desenvolvimento desse embrião, em terreno conforme ao seu natural crescimento.

O que é, para mim, assustador, é a possibilidade de manutenção e de maturação desse início de qualquer coisa que depois resultará numa espécie nova de vida, confundida, presa a um frasco cheio de um líquido que lhe oferecerá sobrevivência, e que será alvo de apontamentos diários em cadernos cheios de imagens tal qual aquelas que me povoam o imaginário viciado pela ficção.

E assim retorno ao meu mundo secreto, esperando nunca poder vivê-lo na realidade, a menos que o engenho humano assim no-lo permita: o mundo dos centauros e dos duendes, o mundo dos monstros que fogem do dispensatório dos seus criadores para nos enfrentar, tentando sobreviver, o mundo do novo Conde Drácula, mais fantástico, e de Frankenstein, o mundo Alien e o de outras tantas coisas que vão já sendo mais ou menos possíveis de realizar...
Porque tenho eu tanto medo dos homens?

quarta-feira, maio 14, 2008

yeah baby


Love and Rockets, no big deal...

Sim,
parece que não tenho nada de interessante para dizer
mas nem por isso fico calada
trata-se isto de uma estranha enfermidade.

quinta-feira, maio 08, 2008

a um velho amigo então chamado Klaus Nomi


Klaus Nomi, the cold song (ao vivo, a seis meses de morrer, com sida, aos 39 anos, em 1983)


Klaus Nomi, after the fall

não consigo esquecer-me


the Flying Lizards, Money (That's What I Want) ... yeah

(be)cause


Music by Brian Eno, bonebomb
Video by Paul Arto

quarta-feira, maio 07, 2008

da luz pálida e quieta que ainda assim perpassa por entre os fios de linho esparsos que enformam a mortalha





Queria fazer das ideias um mundo que delas somente se preenchesse para crescer, e assim mesmo fazer do mundo um lugar cheio de fantasia. Mas depressa chegou o dia em que aquelas ideias, as mesmas ideias que consubstanciariam aquele mundo almejado, e porque nunca elas, tal como os sonhos, conheceram a gravação em tinta que lhes desse carne real, foram fechadas num pano branco feito de um linho macio e embrulhadas no mesmo corpo que assim conheceu a terra onde viria a demorar-se, na eternidade dos silêncios.
Oh altíssimo, porque fazeis com que a fantasia não tome o lugar da vida, sempre, mas somente naquele instante, naquele pedaço de tempo que quase sempre surge ao crepúsculo, ou já de noite, em que a carne crispada conhece o lençol com que se enrola o corpo, depois inerte, tornado ao par feito de velhas penas brancas onde se gravam os sonhos em tinta escura, mudado que foi o mundo em visão gélida e distante.

É que assim se torna a vida em morte, e a morte em vida, e vida em morte tornada vida.

sexta-feira, maio 02, 2008

sim


kelly polar, i need you to hold on while the sky is falling:
Entropy Reings (in the Celestial City)


but We live in an expanding universe, whit so many and so beautiful Satallites, whispering A dream in three parts ...