Ficaste lá tempo demais, disse-lhe ele de olhos postos no chão, braços caídos e alma tão quieta que podia ouvir-se o som da sua memória.
Ficaste lá tempo demais, disse-lhe ele outra vez, tentando agora alcançar os olhos dela que se escondiam por detrás de uma vergonha imensa, porque sabia que tinha lá ficado o tempo que a demora do pensamento lhe tinha deixado estar.
Sim, e essa demora fez-me bem, respondeu ela, enervando-se com o som das suas palavras. Ela enervava-se muito quando ouvia a sua própria voz, e quando a sua voz dizia coisas avessas ao que a sua boca deveria proferir. Porque ela acha, ainda hoje, que é a boca que deve dizer coisas, e não a voz.
Não pode ter-te feito bem, disse-lhe ele, ainda de olhos pousados nela, mas agora com compaixão. E ela sentiu a compaixão dele e pensou que a sua piedade fora causada pelo som das suas palavras, através da sua voz, e preferiu o silêncio.
Passaram-se outros tantos dias e ele perguntou-lhe se ela estava bem, porque havia dias que não dizia nada. E ela disse, com a sua boca, que jamais havia gostado dele.
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