sexta-feira, março 28, 2008

Estou incandescente.

E estar incandescente deixa-me assim tal qual numa fogosa exaltação interior.
Esta incandescência provém-me de dentro, porque estou com ideias vivas e aceleradas demais para conseguir segurá-las todas. Elas são incandescentes e deixam-me assim impaciente, de dentro, nunca de fora, porque as ideias estão de dentro e quase não passam para o outro lado, o de fora.
Esta incandescência resulta, assim, de um frémito pessoal e interior, daquele ardor que torra por dentro, como um braseiro que vem da carne, mas que primeiro veio das minhas ideias, para a carne, sem ultrapassar os limites da minha pele.
Mas noto-a por fora, a essa incandescência, nos tremores que me angustiam os gestos, nas poses que não consigo controlar, porque estou em frémitos.
Ainda assim não consegues ver o meu frémito, porque ele está, todo ele, cá dentro, saindo cá para fora apenas naquilo que só eu consigo sentir, com os meus sentidos, e tu, com os teus, não sentirás, porque o meu frémito vem das minhas ideias alvoroçadas, nesta incandescência de vigores pessoais que só a mim enfatizam.
E aquilo que tu vês é um sorriso patético, o sorriso que eu verto quanto estou incandescente, porque o sorriso de fora não é o mesmo sorriso de dentro, e pouco me importa se para fora ele é patético, porque estou em frémito, e porque o sinto como um sorriso interior, que para mim provém dos pulsares rápidos, como os das ideias que assim se me esvoaçam desacatadas, desenraizadas e sem que as possa fazer repousar ou repensar.
E eu não quero, agora que as sinto pulsar vibrantes, levando-me a esta arrebatação, reelaborá-las. Quero-as assim vindas de dentro, e para dentro, virgens ainda da minha pele para fora dela, virgens de ideias exteriores e dos ouvidos alheios, e de outras quaisquer vidas para além das delas. Quero-as minhas, falantes comigo assim, dentro de mim, transportando-me assim sozinha, neste sorriso patético que é como que um esgar do meu frémito.
E na velocidade deste delírio extático me fico incandescente.
E o contacto com o mundo real traduz-se neste mesmo sorriso patético que cá dentro quer significar o mesmo que os meus inelutáveis prazeres, provindos das minhas, exclusivas, miscigenadas, misteriosas e vertiginosas ideias.

quinta-feira, março 13, 2008




O prazer incontrolável leva a incontroláveis perigos, e a arte, sendo capaz de oferecer diversos estados de alma, e de tantas e inqualificáveis emoções, é capaz de animar o homem para aquilo que o pode destruir.

derivação de um pensamento de Platão

i am this kind of thing

quarta-feira, março 12, 2008

é assim a vida!



«No matter how I try,
I just can't get her out of my mind
And I when I sleep I visualize her.

I saw her in the pub,
I met her later at the nightclub.
A mutual friend introduced us
We talked about the noise
And how its hard to hear your own voice
Above the beat and the sub-bass.
We talked and talked for hours,
We talked in the back of our friend's car
As we all went back to his place.

On our friend's settee,
she told me that she really liked me
And I said: "Cool, the feeling's mutual."
We played old 45s
And said it's like the soundtrack to our lives
And she said: "True, it's not unusual."
Then privately we danced
We couldn't seem to keep our balance
A drunken haze had come upon us.
We sank down to the floor
And we sang a song that I can't sing anymore
And then we kissed and fell unconscious.

I woke up the next day
All alone but for a headache.
I stumbled out to find the bathroom
But all I found was her
Wrapped around another lover.
No longer then is he our mutual friend.»

The Divine Comedy, our mutual friend

quarta-feira, março 05, 2008

Não sei se é prenda do céu, ou se castigo

Hoje estou na curva da idade. Durante a minha adolescência pensei que nunca chegaria aos 25. Era uma ideia muito forte, na altura, e quando curvei os 25 senti que alguma coisa estava errada na minha intuição, faculdade que ainda hoje me guia tanto no modo como levo os meus dias. [O facto de pensar que morreria entretanto deve ter-se ficado a dever às minhas referências pessoais de músicos, de poetas e outros tantos que se ficaram no tempo, ou senza tempo]. Chegada aos 28 esqueci-me da minha idade e chorei, no dia em que o Aragão me fez as contas, acertando nos 28, quando eu pensei estar ainda um ano antes. Aos 30 o meu pai profetizou que, dali a 10, estaria nos 40, e nesse dia voltei a chorar, nessa noite compulsivamente, como se tivesse ouvido um mau presságio vindo dos céus. A ideia da duração era a mesma ideia da perda da juventude, balizando-me e atirando-me para fora de mim, como se o meu corpo se perdesse em cada dia mais danificado. Cinco anos volvidos rapidamente e estava com 35 e com dois pequenos e inesperadíssimos filhos ao colo. Esses cinco anos foram os de uma viagem rápida, e estive mergulhada com intensidade dentro de uma forte ocupação fora de mim, esquecida e abnegada, devota a uma conjuntura de impulsos fortes e com trabalho a rodos, virada para desoras de tempos curtos. Outros cinco se passaram outrossim depressa, e eis que chego à idade tabu. À quantidade redonda dos tempos, e 10 anos volvidos sobre o negrume da profecia do meu pai. Mas pela primeira vez em tanto tempo não me sinto mal por fazer anos, pelo contrário. Sinto-me bem. Talvez por saber que me restam poucos dias para continuar com algum frescor, e por isso vivo com outra, ou com uma novíssima intensidade. O tempo encurta-se, esvai-se, perde-se entre mãos que nem sempre estão fechadas. O tempo migra para outros indivíduos que crescem, e eu fico agora sem ele, para mim, como pela extensão que tinham me pareciam mais duros de passar. Estou na curva do meu tempo e olho para dentro de mim e ainda vejo fantasia, e ainda vejo espanto, e ainda vejo os lumes de sempre, e ainda carrego ideias e projectos e paixões de arrebatar, e os meus segredos insondáveis, inconfessáveis, tal como quando era ainda jovem, porque é tudo igual, e porque há tantas coisas que na minha vida não passam, mas que ficam agarradas a mim, como uma pele, e ainda bem... E hoje, pela manhã, quando me encarei ao espelho pardo pelo vapor dos banhos, vi-me pela primeira vez com quietude, e foi ali que intui que não tenho outra alternativa senão deixar-me envelhecer sem tragédias. Encarar de frente o que o tempo me foi vincando, e o que ele fez de transfigurações na minha carne, faz parte de todo um processo de reconciliação comigo, creio-o agora, como acontece com toda a gente que passa a esquina dos dias, como eu. Dir-me-ás que faço balanços, incomummente, porque os não faço nunca, e eu te responderei que deve ser da idade, e porque reconheço agora que há padrões verdadeiros que nos moldam. E um deles, asseguro-te sem medo do lugar-comum em que caio, é que aos 40 parece que queremos agarrar todos os dias, numa outra adolescência de fervores, mas desta vez porque sabemos que a elasticidade dos dias se perdeu para sempre...
Sou aquilo que sou, e sou aquilo que sempre fui, e sou aquilo que sou, porque fui.
Carla Alexandra Gonçalves