quinta-feira, fevereiro 28, 2008

galáxia do triângulo



por entre as fadigas e as correrias dos últimos dias,
a única coisa que me lembro,
e que é bonita,
é esta imagem do universo...

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

derivação de um pensamento de Popper

... enquanto estivermos vivos podemos sempre tentar de novo ...

terça-feira, fevereiro 12, 2008

tributo a Karl Popper




«O grande movimento de libertação que teve início no Renascimento e que conduziu, através das muitas vicissitudes da Reforma e das guerras religiosas e revolucionárias, às sociedades livres em que os povos de expressão inglesa têm hoje o privilégio de viver, foi um movimento todo ele inspirado por um inigualável optimismo epistemológico, por uma visão extremamente optimista do poder humano de discernir a verdade e adquirir conhecimento.

No cerne desta nova e optimista perspectiva acerca da possibilidade do conhecimento reside a doutrina de que a verdade é manifesta. De acordo com ela, é possível que a verdade esteja velada. Pode, todavia, desvelar-se. E se não se desvelar por si própria, poderá ser desvelada por nós. Não será, talvez, fácil remover o véu. Mas assim que a verdade nua surgir revelada perante os olhos, nós teremos o poder de a ver, de a distinguir do que é falso, e de saber que ela é verdade.

O nascimento da ciência e da tecnologia modernas foi inspirado por esta epistemologia optimista, cujos principais representantes foram Bacon e Descartes. Ensinaram eles que homem nenhum necessita de recorrer à autoridade para saber o que é verdadeiro, visto cada um transportar em si as fontes do conhecimento ��� seja o poder de percepção dos seus sentidos, que pode aplicar à cuidadosa observação da Natureza, seja no seu poder de intuição intelectual, que pode utilizar para distinguir a verdade do erro, recusando-se a aceitar qualquer ideia que não tenha sido clara e distintamente percebida pelo intelecto.

O homem pode conhecer: por isso pode ser livre. É esta a fórmula que explica a conexão entre o optimismo epistemológico e as ideias do liberalismo.
Esta conexão tem por contraponto a conexão oposta. A descrença no poder da razão humana, no poder humano de discernir a verdade, está quase invariavelmente ligada à desconfiança no próprio homem. Desta forma, o pessimismo epistemológico surge historicamente associado a uma doutrina da depravação humana, e tende a conduzir à exigência da instituição de tradições fortes, bem como à implementação de uma autoridade poderosa que salve o homem da sua loucura e perversidade.

[...] Mas como podemos nós cair em erro se a verdade se manifesta? A resposta é: pela nossa pecaminosa recusa em ver essa verdade manifesta; ou então, porque as nossas mentes albergam preconceitos inculcados pela educação e pela tradição, ou por outras influências maléficas que terão pervertido os nossos originalmente puros e inocentes espíritos. A ignorância pode ser obra de poderes que conspiram para nos manter ignorantes, para envenenar as nossas mentes, enchendo-as de falsidades, e para cegar os nossos olhos, de maneira a não poderem ver a verdade manifesta. Tais preconceitos e tais poderes serão, então, fontes de ignorância.».

Mas, na realidade, e para Popper, a verdade não é manifesta. Esta falsa epistemologia (a positiva e de tipo cartesiano, e a negativa) trouxe, embora, grandes progressos intelectuais, mas também causou inúmeros episódios trágicos, no que concerne à história da humanidade, porque ela esteve na base do fanatismo.
A nossa intuição intelectual engana-nos, de facto, e o nosso intelecto não é uma fonte do conhecimento (somente porque Deus é uma fonte de conhecimento).
No caminho do conhecimento está aquilo a que vulgarmente se chama um método. Para alcançar a verdade temos de observar criticamente tudo quanto nos rodeia, temos de conjecturar heuristicamente sobre o que observamos, temos de ultrapassar os esquemas preconcebidos, temos de nos colocar num lugar de dúvida, temos de ajuizar criticamente, temos de estar cônscios de que, a cada passo que damos, devemos dar outros mais, temos de experimentar, temos de verificar, temos de refutar, temos de criticar sempre aquilo que nos é (ou foi) dado como certo, mesmo as nossas próprias teorias e mesmo as nossas próprias suposiões, temos de conseguir alterar o que foi estabelecido antes de nós (ou modificar o conhecimento anterior), temos de querer alcançar o conhecimento (mesmo sabendo que nunca alcançaremos a verdade).


Numa justa conclusão, uso as palavras de Popper quando escreveu, baseando-se nas ideias de Kant, que:

«Será uma decisão crética da nossa parte obedecermos ou não a uma ordem, ou submeter-nos ou não a uma autoridade.»


Quanto mais conhecemos, mais certos nos tornamos da nossa imensa ignorância.
(1961)
Cf. Karl Popper, «Acerca das fontes do conhecimento e da ignorância», Conjecturas e Refutações, o desenvolvimento do conhecimento cientéfico, trad. Benedita Bettencourt, Livraria Almedina, Coimbra, 2003, pp. 20-21, 22-23 e 47.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

visceral


Frida Kahlo, As duas Fridas, 1939


Paula Rego, Broken Promisses, 2006

Quando uma mulher pinta,
fá-lo com as entranhas
Quando uma mulher chora,
fá-lo com as entranhas
Quando uma mulher cala,
fá-lo fechando as suas entranhas
As entranhas de uma mulher são fascinantes,
porque elas dizem coisas,
porque elas choram,
elas suportam
e,
como as dos homens,
elas escorregam.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

da inércia


Hieronymus Bosch, O barco dos loucos,
Óleo sobre madeira, 1490-1500,
museu do louvre, paris


Quem deliberadamente provoca cegueiras é bemquisto no presente, porque passou a viver por nós, e porque, pensa o povo assim desafogado, fica lá com as nossas estafas. O sistema passou, deliberadamente, a viver por nós, a escolher por nós, a pensar por nós, a exigir por (e de) nós, e a cegar-nos, objectivamente, num culto de dirigismo provinciano, mas eficaz. Assim se constrói o derrube do Iluminismo, assim se constrói um sistema déspota e inumano, assim se derruba a liberdade de pensamento e a criatividade na acção dos sujeitos que deviam, eles mesmos, viver cada uma das suas curtas vidas. O que me espanta é verificar que um sistema corrupto, autoritário, proibitivo, caciquista, ainda que acéfalo, mas integrador, não gera confrontos, mas apenas algumas amofinações íntimas e caseiras. Os sujeitos, assim devidamente integrados neste sistema característico, passam a experimentar o enfado, e o caminho resolve-se por sucessivas inércias que, para mim, são verdadeiramente pungentes. Este sistema de que falo é perfeitamente globalizador, fazendo uso de uma maquinaria incipiente, mas altamente eficaz para enformar os homens. As estruturas deste sistema, ainda que desorganizado e amador, porque sujeito a uma liderança pouco inteligente, vão tomando conta de todas as acções dos indivíduos a elas sujeitas, e que assim se livram das suas peles, todas diferentes, para envestirem a nova roupa do padronamento ordeiro e benovolente.

As pernas das sociedades começam a partir-se lentamente, através de uma estrutura educativa programada e limitativa, porque o pensamento, o conhecimento e a educação podem, ou devem, consubstanciar verdadeiros obstáculos ao crescimento dos sistemas prepotentes. Assim se foi e vai construindo este país, educado pelas televisões de má fortuna que fazem viver o povo as outras vidas, que não a dele, que é mísera e cinzenta. Assim se vai construindo este país, limitando devagarinho o acesso às ciências sociais e humanas desde a mais tenra idade, porque o livre pensamento crético e adulto não se conforma com dirigismos.

Assim se constrói este país, com comandos de mau gosto mas eficazes, porque já se educou suficientemente o nosso povo no sentido da mais sã e pueril convivência com o inestético e com o vil, com o fácil e com o vulgar. Assim se derrama um sangue cru, mesmo quando a situação gera conflitos internos, mas irresolúveis por falta de organização. O povo arde agora em febre, mas arderá até morrer, sem protecção. O povo arde na fogueira da miséria, mas não sabe como fazer para virar o vento. O povo enferma com os maus exemplos dos que lhe estão acima, e por isso não tem olhos para a entender todo um sistema de valores que já há muito se perdeu.

Quem teve a sorte de nascer entre o século XX e a presente centúria carrega um fardo pesado, ou fardo nenhum, morrendo depois em vão. E para que não se morra em vão, é preciso viver com amor e com ódio, e com ganas de pensar e de sentir... mas creio que já é tarde demais. É que mesmo quando aqueles sistemas, como o nosso, ainda que mal estruturados, passam desavergonhadamente de uma corrupção em esfera própria, para baixar à extorsão crua dos sujeitos que supostamente protegem, ainda assim não há vislumbres de repúdios. É preocupante e deprimente anotar que os sujeitos assim governados assistem incólumes ao desenrolar de uma acção programada, permanecendo na realidade dos dias numa inexorável inércia.

É assombroso como de facto a história nos ensina tanto sobre a existência e sobre os homens. No desenrodilhar destes tantos anos e dias, por vezes penso que melhor será mesmo deixar-me enformar pelo sistema, ou deixar-me formatar com o tão-pouco, o tão-rude, o tão-fácil que nos vem de cima. É que assim, se não tiver mesmo de pensar, porque os sistemas o farão por mim, passarei a um estado quase impoluto, vivendo meus dias candidamente e sem esforços, para além dos que dedico, porque sim, ao meu ganha-pão, para depois morrer em vão, coisa que deve ser melhor do que experimentar a dor.

Tenho agora, no meu caminho, e ao fundo desta recta que se esvai, trás grandes possibilidades. Ou pronuncio o nome do meu país com pudor, dissimuladamente, ou num sussurro retirado e decoroso, ou fujo da realidade alienando-me ainda mais, ou abro de vez o meu grito aflito para tentar parar o tempo e rebobinar este filme que terá, para mim, de refazer-se inteiro.

É tempo, justamente, de rebobinar este filme e de relembrar que devemos ousar pensar por nós próprios. É tempo de rebobinar o filme e pensar na liberdade. É tempo de rebobinar o filme e viver a solidariedade, a fraternidade, a igualdade, a criatividade, o livre pensamento, a salubridade, a fantasia, a humanidade... É tempo de rebobinar o filme e repensar o silêncio, a solidão imposta, o medo e a alienação, porque é tempo de revolta e de renúncia. É tempo de repensar a vida e é tempo, acima de tudo, de fazer repensar a vida aos que vivem na insensatez do, e no sistema.