quarta-feira, março 05, 2008

Não sei se é prenda do céu, ou se castigo

Hoje estou na curva da idade. Durante a minha adolescência pensei que nunca chegaria aos 25. Era uma ideia muito forte, na altura, e quando curvei os 25 senti que alguma coisa estava errada na minha intuição, faculdade que ainda hoje me guia tanto no modo como levo os meus dias. [O facto de pensar que morreria entretanto deve ter-se ficado a dever às minhas referências pessoais de músicos, de poetas e outros tantos que se ficaram no tempo, ou senza tempo]. Chegada aos 28 esqueci-me da minha idade e chorei, no dia em que o Aragão me fez as contas, acertando nos 28, quando eu pensei estar ainda um ano antes. Aos 30 o meu pai profetizou que, dali a 10, estaria nos 40, e nesse dia voltei a chorar, nessa noite compulsivamente, como se tivesse ouvido um mau presságio vindo dos céus. A ideia da duração era a mesma ideia da perda da juventude, balizando-me e atirando-me para fora de mim, como se o meu corpo se perdesse em cada dia mais danificado. Cinco anos volvidos rapidamente e estava com 35 e com dois pequenos e inesperadíssimos filhos ao colo. Esses cinco anos foram os de uma viagem rápida, e estive mergulhada com intensidade dentro de uma forte ocupação fora de mim, esquecida e abnegada, devota a uma conjuntura de impulsos fortes e com trabalho a rodos, virada para desoras de tempos curtos. Outros cinco se passaram outrossim depressa, e eis que chego à idade tabu. À quantidade redonda dos tempos, e 10 anos volvidos sobre o negrume da profecia do meu pai. Mas pela primeira vez em tanto tempo não me sinto mal por fazer anos, pelo contrário. Sinto-me bem. Talvez por saber que me restam poucos dias para continuar com algum frescor, e por isso vivo com outra, ou com uma novíssima intensidade. O tempo encurta-se, esvai-se, perde-se entre mãos que nem sempre estão fechadas. O tempo migra para outros indivíduos que crescem, e eu fico agora sem ele, para mim, como pela extensão que tinham me pareciam mais duros de passar. Estou na curva do meu tempo e olho para dentro de mim e ainda vejo fantasia, e ainda vejo espanto, e ainda vejo os lumes de sempre, e ainda carrego ideias e projectos e paixões de arrebatar, e os meus segredos insondáveis, inconfessáveis, tal como quando era ainda jovem, porque é tudo igual, e porque há tantas coisas que na minha vida não passam, mas que ficam agarradas a mim, como uma pele, e ainda bem... E hoje, pela manhã, quando me encarei ao espelho pardo pelo vapor dos banhos, vi-me pela primeira vez com quietude, e foi ali que intui que não tenho outra alternativa senão deixar-me envelhecer sem tragédias. Encarar de frente o que o tempo me foi vincando, e o que ele fez de transfigurações na minha carne, faz parte de todo um processo de reconciliação comigo, creio-o agora, como acontece com toda a gente que passa a esquina dos dias, como eu. Dir-me-ás que faço balanços, incomummente, porque os não faço nunca, e eu te responderei que deve ser da idade, e porque reconheço agora que há padrões verdadeiros que nos moldam. E um deles, asseguro-te sem medo do lugar-comum em que caio, é que aos 40 parece que queremos agarrar todos os dias, numa outra adolescência de fervores, mas desta vez porque sabemos que a elasticidade dos dias se perdeu para sempre...
Sou aquilo que sou, e sou aquilo que sempre fui, e sou aquilo que sou, porque fui.
Carla Alexandra Gonçalves

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