quarta-feira, maio 21, 2008

o mundo dos centauros, dos duendes e dos cíbridos











Não sendo uma pessoa de fé, não consigo acreditar na Criação e nem sequer acredito que possamos ser filhos de uma entidade sumamente boa, sumamente grande e sumamente bela, omnipresente e omnipotente.
Sinto o enredo da vida como uma realidade que resulta de um processo feito de contínuas mutações. Também sinto, muito misteriosamente, ou talvez porque o meu cérebro possui um desvio que me proporciona esse vislumbre inexplicável, que a vida de cada um acontece e reacontece, como uma torrente que persiste.

Por vezes acredito que vivemos uma experiência conduzida, pré-estabelecida, ou programada, mas não sei explicar como e porquê, embora pressinta essa explicação, que para mim, não passa pela existência do Deus que nos vem sendo apresentado. A minha relação com as coisas da natureza e da metafásica é algo estranha, contraditória e inexplicável, e passo muito tempo a pensar nisso, nesta confusão em que persistentemente me encontro, talvez devido ao facto de não conseguir acreditar na Criação.

Este discurso serve-me de introdução ao assunto que corre presentemente sobre a criação de cíbridos que, segundo creio, são o mesmo que híbridos especiais, gerados laboratorialmente a partir de um citoplasma não humano com um núcleo humano. Depois da era controversa dos clones, chegámos finalmente ao tempo dos embriões híbridos.

Pois muito bem.

Desde os alvores da humanidade que as quimeras e os híbridos povoam os nossos sonhos, por vezes mais horrendos e assustadores, mas ainda assim eles fazem parte, desde cedo, do nosso mundo paralelo que, um dia, pode tornar-se, e enfim, na realidade das coisas, transferido definitivamente para a nossa dimensão de vida quotidiana, toda cheia de rotinas.
Tento esquecer, embora a custo, uma vasta gama de imagens que me acometem quando penso nestes híbridos, provinda de uma série de obras de arte mitológica ou, mais recentemente, dos filmes de ficção científica, que também me foram expondo aos mais estranhos seres encerrados, ou não, em caixas de sobrevivência, ou noutros lugares distantes do olhar das multidões até à eclosão definitiva, para a vingança final. Tento esquecer estas tantas e tão diferentes representações, que também são frutos do medo que o homem tem da sua própria imaginação, e do progresso, aliado ao espírito de descoberta, porque sei que esse género de comparação é infantil.
Arredada deste imaginário ficcional, vejo-me na realidade. E na realidade, desenrola-se um novo processo, em episódios não menos rápidos, quanto assustadores: no interior de um laboratório, o cientista retira o núcleo de alguns óvulos animais, introduz-lhes o núcleo de uma célula humana e inicia o desenvolvimento de um embrião. Isto porque há mais óvulos de animais à disposição do cientista, e porque assim se evitam os danos colaterais que as mulheres, doadoras de óvulos, possam sofrer.

É interessante verificar que o comportamento humano é sempre motivado pela nobreza. São inúmeros os casos de experiências científicas motivadas pelo bem da humanidade, pela sua saúde e bem-estar, mas que, depois desse nobre objectivo, e porque o homem não é perfeito, e porque mesmo que o fosse, outros há que se deixam conduzir pelos maus fluidos, essas mesmas experimentações acabam por degenerar-se, resultando em processos inesperados, e que vão no sentido inverso do seu motor. O desinteresse pelo conhecimento da História causa a repetição inevitável destes, e de tantos outros processos, e faz com que o homem continue a pasmar-se com os resultados avessos às suas intenções de real decoro, ou dignidade.

Então, e voltando aos híbridos especiais, a experimentação que agora se aprova na Grã-Bretanha, pode conduzir à obtenção de um ser vivo com um ADN humano em núcleo, miscigenado com outros materiais biológicos não humanos (o citoplasma, por exemplo). Trata-se de um cytoplasmic hybrid embryo. (pausa).
Volto ao mundo da ficção e às imagens que tento esquecer de seres com aberrantes alterações provocadas por pequeninas transformaçõees induzidas pela incurável imaginação e criatividade dos cientistas. E porque volto a isto também me culpabilizo pela minha própria ignorância. Ora se eu quero fazer ciência, embora em terrenos menos pantanosos, também não devo coarctar essa possibilidade aos outros.
Este cíbrido agora em aferiçao contém 99% de ADN humano, levando-nos a acalmar os ânimos, por tratar-se de um embrião praticamente humano.

Muito bem. (pausa).

Depois desta fusão, o cientista pode realizar, com o embrião assim gerado, um sem número de experiências que devem resultar na diminuição de algumas doenças que causam a morte de milhares de pessoas. Espera-se que estes embri~ees (com o citoplasma não humano e núcleo humano, ou embriões citoplásticos) sejam, durante estes processos, naturalmente destruídos. Muito bem. Todavia, não se sabe ao certo se esta estranha mistura feita de homem e animal corresponde, de facto, a um embrião, no sentido que a ciência lhe tem dado. Também calculo que não se conheça o verdadeiro resultado desta fusão ou se, por um acaso, há possibilidades de desenvolvimento desse embrião, em terreno conforme ao seu natural crescimento.

O que é, para mim, assustador, é a possibilidade de manutenção e de maturação desse início de qualquer coisa que depois resultará numa espécie nova de vida, confundida, presa a um frasco cheio de um líquido que lhe oferecerá sobrevivência, e que será alvo de apontamentos diários em cadernos cheios de imagens tal qual aquelas que me povoam o imaginário viciado pela ficção.

E assim retorno ao meu mundo secreto, esperando nunca poder vivê-lo na realidade, a menos que o engenho humano assim no-lo permita: o mundo dos centauros e dos duendes, o mundo dos monstros que fogem do dispensatório dos seus criadores para nos enfrentar, tentando sobreviver, o mundo do novo Conde Drácula, mais fantástico, e de Frankenstein, o mundo Alien e o de outras tantas coisas que vão já sendo mais ou menos possíveis de realizar...
Porque tenho eu tanto medo dos homens?

14 comentários:

Anónimo disse...

i"Reality is that which when you stop believing in it... doesn't go away." (Philip K. Dick)


http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=29&id=336

Não acreditar na Criação não é problema ... também não acredito, sou ateu. Até acho isso vantajoso para quem pensa sobre o que é ser humano. Ou para quem vê um filme como Blade Runner ...

JB

Carla Alexandra Gonçalves disse...

Sim.
Neste caso dos cíbridos não defendo nada, até porque nem posso, até porque nem sei, até porque este assunto é prolixo o quanto basta para o poder entender.
O que me ocorreu hoje de manhã, foi precisamente isto que diz respeito ao facto de num momento para o outro na vida, poder deparar-me com os meus próprios monstros ao virar da esquina (tirando os centauros e os duendes, e... está bem, está bem, o conde drácula, porque sempre gostei deles, embora me metam medo). E tenho muitos monstros, como toda a gente tem, que são do meu medo pessoal, e tenho medo até daqueles, e esses sao os principais, que não têm corpo real. E sei que o medo é um fruto da nossa ignorância, e do poder da nossa imaginação e é uma xenofobia,,,, é precisamente o mesmo medo que faz com que tantas pessoas possuam os seus pontos suportantes para as suas dores (de corpo e de alma).

Aliás, quando estava a deitar fora estes pensamentos, para me purgar, ainda pensei que um híbrido conseguido por meio da comunhão de um citoplasma de aranha com o núcleo humano pode dar num desejável homem aranha...

Apesar dos pesares, confesso saber que todos os seres são um resultado de uma qualquer fusão de materiais biológicos de origem diversa. Claro que sim! Trata-se de matéria biológica, está tudo certo!

Arrepiante é mesmo, e também, a cena do primeiro Matrix, quando ficamos a saber que aqueles homens encapsulados são alimentados através dos fluidos provindos da liquefacção dos seus mortos.

Enfim.... assim rapidamente penso que é muito bom tentar solucionar o problema de algumas doenças crónicas que teimam em ceifar algumas vidas antes do tempo (e que tempo é esse?) e, enquanto isso, assisitimos impávidos à morte em barda imposta por alguns Estados que, como se tem visto, condenam um país a miserandas torturas e de forma bem mais prosaica. Me pergunto: mas que raio de mistura foi feita para conceber-se Than Shwe e o seu séquito? E que raio de mistura biológica é a nossa que nos incapacita de lhe dar um fim?

Anónimo disse...

Não consegui encontrar na net, para to enviar, um artigo de Philip K. Dick em que ele discorre sobre o que é ser humano e sobre o que é ser andróide ( claro, Blade Runner é o pano de fundo ). Nesse artigo, ele começa por lembrar as memórias de um oficial das S.S. de serviço num campo de concentração que se queixava que , durante a noite, o choro das crianças prisioneiras não o deixava dormir ... E a questão principal decorre dessa situação : era esse S.S. um ser humano ou simplesmente um simulacro de um ser humano ? O monstro mais terrível é aquele que tem a aparência física semelhante à nossa. E monstruosidades dessas preenchem à mais repugnante e indecorosa saciedade o passado e o presente do "Homem".

( E o filme Soylent Green ? Viste ?)

JB

Anónimo disse...

Than Shwe was born in Kyaukse, Mandalay Division. He enlisted in the army, where he spent several years in the psychiatric hospital, being treated for post traumatic stress after having served in the operations against KNDO (Karen National Defence Organisation) insurgents between 1948 and the early '50s.

In 1960, he was promoted to the rank of Captain. After the military coup of 1962 by General Ne Win, Than Shwe continued rising steadily through the ranks. He reached the rank of Lieutenant Colonel in 1972, Colonel in 1978, Commander of the South West Regional Command in 1983, Vice Chief of Staff of the Army, Brigadier-General and Deputy Minister of Defence in 1985 and then Major-General in 1986.

He also obtained a seat on the ruling Burma Socialist Programme Party's Central Executive Committee.

jb

Carla Alexandra Gonçalves disse...

Soylent Green é outra receita culinária imperdível, e já faltam poucos anos para que lhe possamos chegar (o que por um lado é bom, dado que isso subentende a aporovação da eutanásia até 2020, mais coisa menos coisa). Mas não vou repetir os ingredientes dessa bolacha para não tornar este post, e seus consecutivos comments, num caldo de letras demasiado macábro.
bjs
c.a.g.

Carla Alexandra Gonçalves disse...

macabro, ao invés..., embora prefira lúgrube, daí o desvio do acento.

J. disse...

Depois de 3 dias fora de casa lá para a Zambujeira do Mar, considerando a minha aversão por saídas, acho que até essa receita Soylent é capaz de ser melhor ...

a kiss & a smile,

J.

Anónimo disse...

... nós somos frutos de milhares de anos de mutações genéticas, ou alguém pensará, ao invés, que chegamos verdadeiramente ao estado último da evolução ?
... não obstante, duvidar da criação, de uma qualquer criação, é uma impossibilidade ... chame-se-lhe Deus ou «sopa cósmica».
«we are star stuff»: o que existe no interior de uma estrela é o mesmo que existe no nosso corpo; apenas a combinação é diferente
... tudo nasce, prolonga-se no tempo e desaparece (ou transforma-se em algo diferente).
se não Deus, o universo (nós) encarregar-se-á de nos dar o fim que merecermos.
... pela parte que me toca gostaria que a manipulação genética me transformasse num desenho animado :)

ass: That's all folks !

c. ***

Carla Alexandra Gonçalves disse...

C.:
yes we are star stuff! E sopa e soma cósmica (gostei)! Ainda há poucos dias vivi essa experiência, que aqui não conto.
E tudo se transforma, e nada desaparece, e somos sempre os mesmos, as mesmas almas de sempre, trocadas pelos vários corpos, ou não, porque queremos, ou não... sei lá!
a este propósito ainda veio ontem uma grande notícia no Público, fazendo reportagem sobre paragona instalada há tempos para cá, porque uns pensam que sim, e outros pensam que não sobre os híbridos (dos cinco -- ou quatro?--modos de híbridos possíveis, as quimeras devem ser os mais românticos).
por mim, continuo a ter muito medo dos homens. se eles ainda têm de evoluir, e claro que têm (certamente que daqui a anos não vamos precisar de tantos dentes, por exemplo), às tantas não devia ser a nossa mão de mixer a fazer a sopa. Mas quem será? E se tivermos de evoluir, melhor fosse mesmo que nos transformassemos todos em desenhos animados...
gracie
c.a.g.

Anónimo disse...

Como gosto de ser senhor do meu nariz, gostaria, então, de ser um mutante com poderes para me transformar, sempre que quisesse,no Daffy Duck.

JB

J. disse...

Bem, isto de monstros é fascinante. Até o nosso filósofo José Gil escreveu um livro sobre o assunto "Monstros". Cito : " O que inquieta realmente é que não há selecção nem escolha preferencial destes novos invasores : assim como a Antiguidade adorou os centauros, as quimeras e os sátiros, também nós teríamos podido privilegiar os monstros imaginários, resultado de cruzamentos entre espécies diferentes. Mas gostamos indiferentemente do Elephant-man e dos anões dos Freaks, das "regas fabulosas" e dos monstros teatológicos. esta atitude é sinal da grande dúvida que assaltou o homem contemporâneo quanto à sua própria humanidade." Ufa ...

a Kissblanca,

JB

Carla Alexandra Gonçalves disse...

Nem mais!
;)
c.a.g.

éme. disse...

Nota antes de escrita: a minha primeira impressão foi dizer - subscrevo. mas depois fiquei com a ideia aqui a matutar... Tudo porque ando cansada de pensar o medo, cansada de enxotar O medo...
Pronto, cá vai:


Também acho que a vida é uma contínua mutação. Claro. (nós, lá na casa, chamamos-lhe mais "transição" mas, no fundo, vai dar ao mesmo instante, aqui!)
Às vezes também creio que a vida de cada um acontece e re-acontece... como se fossemos estando espiralados na torrente de um tempo, na incógnita de um qualquer espaço, que nos deixa, apenas, vislumbrar lugares, esperas e conquistas...

Agora, Deus... eu sofro desta coisa de crer na profunda condenação a sermos livres, creio nesta imensa possibilidade de sermos inferno de outros sendo infernais (tantas vezes) para nós... e perco-me por aí, por não ser crente de paraísos quaisquer que sejam as localizações que lhes possamos atribuir... mas depois logo me encontro e deixo seguir caminho. Às vezes tortuoso, às vezes cálido e pleno.
...
Isto de híbridos não me assusta... em boa verdade, os meus sustos são mais ou menos como se me mantivesse criança para sempre, crendo que sustos só são coisas dos crescidos que não se explicam... eu tenho um medo terrível da humanidade. Uma esperança imensa no Ser Humano.
É bem sério que dou comigo, tantas vezes, a julgar que estamos mal entregues, meio perdidos, meio "tramados" no meio de tramas que nos ultrapassam e congelam aquilo a que antes (sim, quando cria que a Humanidade tende sempre para a própria superação em respeito pela integridade de todos...) - como ia dizendo - julgava ser inevitável perceber como o caminho da condição humana mas, por outro lado, julgo que escolhi crer que "isto" da vida está a chegar a um momento em que tudo tem de parar um pouco e pensar. Parar um pouco e renovar caminhos.
Parece-me genial dizeres ali que o comportamento humano é sempre motivado pela nobreza... creio que sim, a sério que sim. Mas depois dou comigo com trabalhos da Forense e julgo ter vontade de desconfiar desta certeza.
Sim... o desconhecimento da História leva a asneiras que antes se viveram assim... a horrores que se podiam ter impedido... mas parece-me que é tudo questão de desenvolvimento, que é tudo radicado em procedimentos que se perderam por aí, algures no curso disto que é a humanidade.
Eu acreditei sempre que o caminho nos vai levar à "coisa" improvável do bem comum, à experiência plena da integridade total, do crescimento maior, do Bem...
Ultimamente dou comigo a teimar crer assim. Creio reconheço as minhas acções como pequeníssimo motor desse ir por aí.
E,
agora que a adolescência já lá ficou numa das rotas da tal espiral que nos encaminha nesta dimensão de vida que lembramos, percebo que não vou mudar o mundo mas... se eu fizer a minha parte e se aqueles-comigo forem fazendo, a cada instante, também, o seu bocadinho... Isto Muda!
E muda sem tanto lugar ao medo. E muda para ser tempo real de Vida.

|e eu não sei se tere(i)\(mos) assim tanto medo dos homens... acho que é mais medo da inacção. da alienação. da impressão-de gente a mais- de nada poder... não?|

Carla Alexandra Gonçalves disse...

Obrigada éme.
O caso é que todos somos seres feitos de contradições (e neste caso falo por mim, que, a páginas tantas, me contradigo perdendo a lógica do funcionamento prático, mas ainda bem, porque detesto tudo aquilo que é prático, e porque assumo não gostar dessa característica, blá blá sobre os práticos).
E imersos nesse fundo de seres contraditórios não consubstanciamos "maquinaria", não possuímos "mecanismos", e não trabalhamos, nem pensamos no "automático".
A beleza que nos sustém por tanto tempo (agora, no dealbar do século XXI, aceitando que a morte antes dos 100 virá por acidente) baseia-se no incrível facto de acreditar que podemos ser crianças para sempre, e que a adolescência não é um lugar estanque (ou balizado) e passado, mas presente e refulgente, porque dessa condição da infância emerge aquilo que de melhor ainda temos: a criatividade, a inocência, fantasia, o encantamento, a paixão e a mirada ao horizonte translúcido porquando o sol se põe em mares gigantes, a escrita como água que escorre do peito ainda são...
Mesmo estes desassossegos,e as próprias contradições no sentir e no pensar e na acção, são comuns à nossa infância e isso é Bom! Se nos mantivéssemos (todos, assim) infantes, o mundo não seria este lugar de fuligens ...
que te parece?
c.a.g.