quarta-feira, outubro 17, 2007

da orientação ou vaocação para as artes III

Será a obra de arte o produto de um ímpeto?

E que ímpeto tempestuoso este, que transforma o indizível em texto escrito; que transforma o silêncio em drama e em compaixão; que transforma o mundo que depois se vê em outro mundo, tão admiravelmente novo, e que é o reflexo de um pensamento que convertido em acção, e depois, e novamente, em pensamento...

Que impulso é este, tão diferente dos comuns impulsos de sobrevivência fisiológica?
Para alguns autores, este impulso para as artes faz parte de um cômputo alargado de impulsos aprendidos, como são alguns medos adquiridos, ou a motivação para o sucesso.

Mas este impulso para o trabalho artístico pode ainda revivescer como uma manifestação de um comportamento intrinsecamente motivado de satisfação da curiosidade, ou de satisfação de motivações psicológicas relacionadas com a realização pessoal, ou com a busca do sentido da vida e de compreensão do eu e dos outros no mundo, ou com a necessidade própria de comunicação, no seu sentido último? Poderá este impulso relacionar-se com uma manifestação de um desejo desenfreado, de um desejo de recriação do mundo, para que o seu recriador possa viver e situar-se nele, ou para senti-lo como seu?

E este impulso para as artes, para a realização daquilo que não existe e que aparentemente nem fará muita falta, se relacionado com a evolução tecnológica do mundo, é um dom, um furor transcendente, ou um outro qualquer fenómeno mais imbricado e ainda mais recuado na consciência ou, por outro lado, tratar-se-á do fruto de uma orientação cerrada, empreendida no interior do núcleo familiar ou outro, que filtra as actividades, e que determina os gostos e as atitudes dos sujeitos que se condicionam?

Com o fito neste problema teórico, podemos apenas levantar tímidas hipóteses de solução e, nesse sentido, também podemos rememorar algumas situações comprovadas pela historiografia artística. Mas como seres humanos empenhados, podemos ainda intercalar alvitres (desde que) com graus de razoabilidade eficazes, no sentido de alcançar um desejável, ainda que muito limitado, entendimento dos fenómenos que nos circundam.

Devo confessar, neste contexto, que raras vezes procuro entender como é possível ser-se um talentoso artista. Aliás, nunca pensei muito nisso, porque na presença de uma obra de arte fico ofuscada pelo brilho do espírito do indivíduo que, escudado por detrás da sua obra, me ajuda efectivamente a rever o mundo, enfeitiçado com formas, com tintas ou com gestos, com palavras ou com sons. E sob esse efeito magnético que as obras de arte me provocam, atinjo um lugar sem tempo e estanco, perplexa, e suficientemente longe de mim para que possa alcançar qualquer outro pensamento mais objectivo sobre outro qualquer assunto. Sob as flamas da obra de arte me sinto vã.

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